Sobre hifens, autossabotagem e pandemia

Talvez, o título deste post não faça sentido pra você. Mas siga a minha lógica: autossabotagem e hífen têm a ver, assim como autossabotagem e pandemia. 

Uma das coisas que mais me perguntam sobre língua portuguesa é se vai ou não vai hífen em determinada palavra. Com o prefixo "auto", principalmente. Eu entendo a dúvida: são muitas as regras que envolvem hífen. No fim das contas, a gente decora algumas; outras a gente pesquisa mesmo. E está tudo bem! É essa a lógica. Não precisamos armazenar milhões de informações não essenciais em nosso cérebro. 

Mas, se você resolveu ler este post para saber se vai hífen em "autossabotagem", já deve ter percebido que não. Com o prefixo "auto", nós vamos unir sem hífen todas as palavras, exceto se a segunda palavra começar com "H", como em "auto-hemoterapia", ou se a segunda palavra começar com "O", como em "auto-observação". É isso. Ah, e provavelmente você vai ter essa dúvida de novo! Como eu disse ali em cima, não é uma informação essencial, então a gente pode esquecer e depois pesquisar de novo. Não se preocupe com isso. 

O real ponto sobre o qual eu gostaria de escrever é a relação entre autossabotagem e pandemia. Parece uma relação mais pertinente de ganhar atenção do que a relação entre autossabotagem e hífen, né?! Mas acho que as pessoas não têm questionado tanto essa relação, no sentido "saudável" da questão, como questionam alguns aspectos meio irrelevantes, às vezes.

Digo isso por mim: nesta quarentena, obviamente, muita coisa mudou para o mundo inteiro, para todo e qualquer cidadão. Na nossa realidade privilegiada, essas mudanças impactaram nosso modo de vida, modo de trabalho e modo de interação social. Infelizmente, muitas pessoas estão enfrentando uma ameaça direta à própria sobrevivência para tentar garantir a sobrevivência dos privilegiados (nós) que podemos ficar em casa. Eu vejo, em resumo, a situação assim. 

Dentro dessa nossa bolha, algumas reflexões secundárias vêm à tona: aproveitar o tempo em casa e ser totalmente produtivo ou APENAS aproveitar o tempo em casa? É aí que entra a autossabotagem (da visão que eu tenho, claro). 

Uns dizendo que nunca mais teremos tempo assim para colocar as pendências profissionais em dia, ou seja, "oportunidade" de trabalhar 14 horas diárias. Outros dizendo que isso é loucura, por isso, "não se compare com os outros, não se cobre, apenas deixe rolar e viva um dia de cada vez". Sinceramente, eu penso que esses dois lados são a tal da autossabotagem. Os dois. Porque todo extremo é autossabotagem, independentemente do aspecto abordado. 

Parece meio óbvio: se você trabalha demais e perde "a beleza da vida", você se sabota. Se você trabalha menos e vive num relaxamento total "porque você não precisa ser produtivo o tempo todo", você também se sabota. Respeitar seus limites não é respeitar sua preguiça ou sua falta de ânimo ou sua falta de foco ou seja lá o que te falta (o que NOS falta). Respeitar seus limites é saber que, às vezes, a gente precisa fazer um superesforço sim (sem hífen, aliás - but who cares?). 

Esse superesforço pode ser para trabalhar, é verdade. Mas também pode ser, e muitas vezes é, para, apenas, relaxar. Ler por prazer. Assistir a algum seriado como gente normal. Brincar. Ficar em casa (sair de casa desnecessariamente em meio à pandemia é autossabotagem e sabotagem com o resto da sociedade, sabia?!). Dormir mais. Ouvir música sem culpa. Sem culpa. Sem culpa. Sem culpa. Se essa parece a parte difícil, bem-vindo ao time! A gente condiciona nosso cérebro pra cada coisa absurda de vez em quando... O difícil é entender quando isso é sabotagem, quando é necessidade, quando faz sentido, quando simplesmente é besteira e a gente precisa deixar pra lá. Seja na pandemia, seja em qualquer outra época da vida. Todas são fases, cada uma com a sua intensidade (e consequências significativas).

Nesta fase, vale a pena deixar hifens e outras "miudezas" pra lá. Sério. Isso a gente aprende/pesquisa/decora em qualquer momento. Agora, o que não dá pra deixar pra lá é o equilíbrio. E essa palavrinha, que tanto faz falta no mundo, ainda mais em tempos de pandemia, renderia muitos e muitos outros posts.






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